Tecnologias Sociais: fortalecem a agricultura familiar no Semiárido potiguar

Intercâmbio entre famílias campesinas do Trairi e Alto Oeste potiguar para conhecer a TS do biodigestor. (Foto: Caio Barbosa – Núcleo de Comunicação | SEAPAC)

A integração de tecnologias como as cisternas, o reúso de águas e os biodigestores têm transformado a vida das famílias camponesas.

Caio Barbosa – Assessoria de Comunicação | SEAPAC
Natal | Rio Grande do Norte
No Semiárido brasileiro, onde a escassez de água é uma constante ameaça, existem soluções inovadoras que transformam a realidade das famílias rurais: as tecnologias sociais. De acordo com dados do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), cerca de 12 milhões de pessoas vivem em áreas de seca no Brasil, enfrentando desafios diários para obter água suficiente para suas necessidades básicas.
Em um contexto de mudanças climáticas e aumento da frequência de secas, tecnologias sociais são cruciais para garantir a sobrevivência e o bem-estar das populações rurais. As tecnologias sociais são inovações desenvolvidas com a participação da comunidade para atender a necessidades específicas de forma sustentável e eficiente. Elas envolvem não apenas a criação de novas tecnologias, mas também a adaptação de conhecimentos existentes para resolver problemas locais.
As tecnologias têm desempenhado um papel crucial para as famílias e comunidades rurais do semiárido brasileiro, oferecendo soluções inovadoras e sustentáveis para enfrentar os desafios da escassez de recursos hídricos e melhorar a qualidade de vida. Existe uma variedade de tecnologias que podem ser utilizadas e implementadas nas comunidades e, com isso, ajudam a garantir a segurança hídrica e alimentar, a sustentabilidade econômica local, além de contribuir para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e a melhoria considerável da saúde e do bem-estar da população camponesa.
Há 31 anos, o Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos Comunitários – SEAPAC – vem trabalhando em todo o Rio Grande do Norte em apoio às famílias campesinas na busca de soluções para os principais problemas que dificultam a convivência com Semiárido potiguar. Além disso, a instituição desenvolve projetos na defesa dos direitos sociais e na promoção da agroecologia. O Seapac já implementou mais de 20 mil tecnologias sociais nos 167 municípios do Rio Grande do Norte, transformando positivamente a vida de quase 76 mil pessoas no Semiárido potiguar.
O Seapac, ao longo da sua caminhada, vem levando esperança às famílias que necessitam de apoio para garantir seus direitos básicos, como o acesso à água potável, direito ao saneamento rural e à assistência técnica em agroecologia. As relações institucionais com parceiros estratégicos ajudam a executar projetos como o “Água Semente da Vida” que é realizado em parceria com o Banco do Nordeste, o qual promove o direito ao saneamento rural e garante a segurança hídrica e alimentar das famílias beneficiadas.

Entrega de mudas de frutíferas e espécies nativas da Caatinga para as famílias acompanhadas pelo projeto “Água Semente da Vida”. (Foto: Núcleo de Comunicação | SEAPAC)

O projeto vem sendo executado desde 2022, na região do Alto Oeste potiguar, onde foram implementados 33 sistemas de reúso de águas cinza em seis municípios: Pau dos Ferros, Encanto, Doutor Severiano, São Miguel, Coronel João Pessoa e Venha-Ver. O sistema de reúso de águas cinzas é uma tecnologia que trata e reutiliza a água proveniente de atividades domésticas, como lavar roupas e tomar banho, para fins não potáveis, como irrigação e limpeza. Este processo não só conserva a água potável, mas também contribui para a sustentabilidade ambiental e econômica das comunidades.

Essa parceria de sucesso com o Banco do Nordeste vem proporcionando uma verdadeira revolução agroecológica nos municípios do Alto Oeste potiguar. A metodologia e o acompanhamento técnico da equipe do Seapac com foco na promoção da agroecologia e integrando isso ao direito ao saneamento rural, tem possibilitado resultados incríveis para a agricultura familiar da região. Além de proporcionar mais saúde para as famílias, também colabora para a melhoria do meio ambiente. O reúso de água amplia as possibilidades para produção de alimentos, tanto de frutíferas quanto de forrageiras, garantido alimento para as famílias e os animais ao longo do ano.

Tecnologias sociais e o fortalecimento da agricultura familiar
No Nordeste brasileiro, a agricultura familiar é uma atividade crucial para a subsistência de muitas famílias e para a economia local. De acordo com dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e do último Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aproximadamente 10,1 milhões de pessoas estão envolvidas na agricultura familiar em todo o Brasil, com uma grande concentração na região Nordeste​. No Rio Grande do Norte, cerca de 130 mil famílias vivem da agricultura familiar, conforme o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar de 2022, publicado pela CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares) em parceria com o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).​

Integração das TS do biodigestor e da cisterna para ampliar a segurança hídrica e energética das famílias campesinas. (Foto: Caio Barbosa – Núcleo de Comunicação | SEAPAC)

Esse número reflete a importância da agricultura familiar na produção de alimentos básicos, como feijão, mandioca, milho e frutas, que são essenciais para a segurança alimentar do país. Porém, essas famílias enfrentam desafios significativos, como a falta de apoio governamental e vulnerabilidades econômicas, além das secas prolongadas e irregularidade de chuvas e, ainda, a desigualdade sociocultural. Esses problemas ambientais e sociais são interligados e criam um ciclo de vulnerabilidade que dificulta a melhoria das condições de vida das famílias agricultoras que vivem no Semiárido.

O enfrentamento dessas questões requer uma abordagem integrada, que inclua tecnologias sustentáveis, políticas públicas de apoio e programas de capacitação para os agricultores. Nesse cenário, o Seapac vem construindo estratégias e ações que possibilitem a essas famílias uma melhor convivência com o Semiárido, por meio de projetos que promovem a agroecologia, a defesa de direitos e a integração de tecnologias sociais.

A instituição já implementou em todo o estado norte-rio-grandense tecnologias sociais, como: cisternas (de primeira e segunda água, além das cisternas escolares); biodigestores; reúso de águas cinza e totais; secadores solares, irrigapote, entre outras. Essas tecnologias têm ajudado no desenvolvimento sustentável das comunidades e garantido um conjunto de direitos sociais às famílias acompanhadas.

Para Fabrício Edino, engenheiro agrônomo do Seapac, a integração das tecnologias sociais é uma estratégia fundamental para as famílias campesinas:

“as cisternas de primeira água garantem água para o consumo humano e água para cozinhar. Assim, por exemplo, as cisternas da segunda água garantem a segurança para a produção de alimentos. E os sistemas de saneamento rural e do reúso de água proporcionam às famílias maior qualidade de vida em termos de saúde, porque eliminam na sua totalidade os esgotos a céu aberto. Dessa forma, possibilita uma segurança de água para a produção de alimentos a partir dos princípios agroecológicos”.
Tecnologias sociais e a integração com o Semiárido
As tecnologias sociais são fundamentais para garantir a sobrevivência e o bem-estar das populações rurais, haja vista que ao obterem o direito e acesso a essas tecnologias as famílias campesinas não só protegem o meio ambiente, mas também constroem um futuro mais seguro e sustentável para as próximas gerações. Como já apontado na matéria, no Nordeste, a agricultura familiar é responsável por quase metade dos 3,9 milhões de estabelecimentos agrícolas do Brasil, o que mostra a relevância dessa atividade na região​.

Luiz Silva, agricultor familiar colhendo acerolas que são irrigadas pelo sistema de reúso de águas cinza. (Foto: Caio Barbosa – Núcleo de Comunicação | SEAPAC)

Atualmente, o Seapac acompanha famílias que já possuem em sua unidade de produção familiar (UPF) a integração de algumas tecnologias sociais, como o caso da família de Seu Luiz e Francineide que moram na região de São Miguel, no território do Alto Oeste Potiguar. Essa família já conta com a integração das cisternas de primeira e segunda água, o sistema de reúso de águas cinza, o biodigestor e o secador solar. Essas tecnologias possibilitaram à família uma melhoria significativa no seu dia a dia de trabalho, pois aumentou a produção de alimentos, garantiu a segurança hídrica e a promoção da saúde familiar.

A integração de tecnologias sociais – como o reúso de águas, biodigestores e cisternas – tem se mostrado essencial para fomentar e ampliar a agricultura familiar no Semiárido potiguar. Segundo o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), iniciativas como a instalação de cisternas de captação de água da chuva têm garantido acesso à água potável para mais de 1,5 milhão de pessoas no Nordeste brasileiro, permitindo que famílias agricultoras mantenham suas atividades mesmo em períodos de seca prolongada.

Estudos apontam que o uso de biodigestores pode aumentar a produtividade agrícola em até 30%, promovendo a sustentabilidade e a resiliência das comunidades rurais​. Os biodigestores também desempenham um papel crucial ao converter resíduos orgânicos em biogás e biofertilizantes. De acordo com a Embrapa, esse processo não só oferece uma fonte de energia renovável para as famílias, reduzindo a dependência de lenha e gás, mas também melhora a qualidade do solo e a produtividade agrícola por meio do uso de biofertilizantes naturais.

Além disso, o reúso de águas – água proveniente de atividades domésticas – para irrigação tem permitido uma maior eficiência no uso dos recursos hídricos. Segundo a FAO, a implementação dessa tecnologia nas propriedades agrícolas familiares do Semiárido pode reduzir o consumo de água potável em até 50%, destinando-a para consumo humano e outras necessidades essenciais.

O Seapac, nos últimos anos, tem trabalhado diretamente para integração das tecnologias sociais na região do Semiárido potiguar. Além das quase 19 mil cisternas, a instituição implementou mais de 70 biodigestores e mais de 145 sistemas de reúso de águas em todo o estado. Essas tecnologias têm possibilitado uma maior integração das famílias e das comunidades com a Caatinga, ampliando a garantia e o acesso a direitos básicos, como: água potável, alimento, saneamento e saúde.

Integração do sistema de reúso de águas cinzas com a cisterna do P1+2 para ampliar o armazenamento de água para áreas de produção. (Foto: Caio Barbosa – Núcleo de Comunicação | SEAPAC)

De acordo com a FAO, programas como o Programa de Cisternas têm beneficiado milhões de pessoas no Semiárido brasileiro, garantindo acesso à água potável e promovendo práticas agrícolas sustentáveis​. Outras ações e projetos como os desenvolvidos pelo Seapac não só combatem a pobreza, mas também fortalecem a autonomia das comunidades, promovendo um desenvolvimento rural inclusivo e sustentável.

O apoio e o trabalho desenvolvido pelo Seapac junto aos seus parceiros, em prol das comunidades e famílias campesinas, é fundamental para o desenvolvimento da agricultura familiar no estado, promovendo os ensinamentos e a fé do papa Francisco que define como “louváveis” as famílias que se dedicam à agricultura pela forma solidária do seu trabalho, assim como pelo estilo respeitoso e delicado com o qual cultivam a terra, favorecendo sistemas agroalimentares mais inclusivos, resilientes e eficientes.